moda

Um estilo de vida que sempre me fascina é aquele em que se cria uma narrativa particular e a partir dela se torna possível uma expressão única. Recentemente assistindo ao projeto My Place do Nowness, que entrevista criadores sobre suas casas, fiquei encantado com o episódio da cantora Florence Welch. Seu banheiro é repleto de objetos da Frida Kahlo, as paredes da escada quase já não tem espaço para mais réplicas de quadros e no quarto afixa cartões, letras de músicas e coisas que foram ditas a ela. “A casa toda se torna um caderno gigante”, diz. Os cômodos não conversam entre si, mas não precisam porque cada elemento compõe o organismo vivo do qual considera fazer parte e tudo complementa sua singular narrativa.

Nessa quinta, 11 de maio, esse mesmo sentimento despertou repentinamente assim que entrei no auditório do Senac Votuporanga. Este ano a sede completa 20 anos de sua fundação e trouxe para palestrar Dudu Bertholini, que coincidentemente também comemora duas décadas de carreira na moda. O paralelo com a Florence foi quase imediato porque ambos são criadores que possuem um estilo que extrapola o corpo e percorre cada metro quadrado de suas casas. E mais que isso, no caso de Dudu, transfere um pouco de sua narrativa para quem é exposto a ela. Havia no evento cerca de setenta pessoas e quase todas tentaram simular suas expressivas poses.

Encerrado o “strike the pose” Bertholini rompeu, durante quase duas horas, o tempo e o espaço para nos levar a uma viagem temporal pelo século XX. Passando pelos Teddy Boys na Inglaterra que resgataram o uso de peças da era Eduardiana e portando contribuíram com o surgimento do vintage aos rebeldes Greasers nos Estados Unidos usando a combinação básica de jaqueta, jeans e camisa branca usada até hoje. Percorreu também a França, onde Paul Poiret libertou as mulheres do espartilho e onde também a Chanel simplificou o guarda roupa feminino.

Aos citar esses últimos exemplos Dudu mencionou uma frase da diretora do Studio Berçot, Marie Rucki, “criador é quem muda o meio em que atua”, e ficou claro como as criações desses estilistas foram reações a movimentos sociais e culturais de cada período. A criação a partir da essência das mudanças e conflitos. A moda enquanto uma criação antropológica. Avançando no tempo, na passagem da mudança do padrão corporal de uma Marilyn Monroe dos anos 50, para o padrão dos anos 60 com a Twiggy, os editores e criativos deixaram de mostrar como as peças devem ser usadas e passaram a utilizar fotos conceituais para levar as pessoas a um lugar de desejo e liberdade de uso, a moda começava a deixar de se impor.

 

Os anos seguintes seriam ainda mais libertários na expressão individual, principalmente na entrada da década 90 e, sobretudo devido aos avanços tecnológicos. As mudanças que antes aconteciam a cada década passaram a ocorrer diariamente por causa da aceleração da informação, tornando a moda pulverizada e democrática. Assim, tanto o estilo da Florence quanto a de Dudu refletem, para mim, essa liberdade conquistada para criar e fazer composições com peças de qualquer década, país ou cultura. Bertholini acredita que moda não é arte, mas “um business feito com muita poesia”. Eu já acho que nem todos conseguem chegar ao estado de arte que a moda possibilita, mas ele certamente consegue com sua narrativa. E ontem, sem dúvida, talvez até Marie Rucki falaria que ele é um criador mudando o meio em que atua, mudando as pessoas com quem se encontra e fazendo elas sentirem um genuíno desejo de criar cada uma sua própria narrativa.